II O Problema da Habitação: O Programa Nacional da Habitação


Cidade do Porto, fotografia do autor.

1. 

Para a prossecução dos objetivos que garantam o direito universal à Habitação, conforme previsto no artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa, foi aprovado há um ano a Lei de Bases de Habitação. E esse documento diz de forma clara que o Estado deverá assumir compromissos, princípios e deveres, em matéria de políticas públicas de habitação e de reabilitação urbana, pelos quais é responsável.

A atuação do Estado, para que se cumpra a meta traçada pelo Governo, o de acabar com todas as carências habitacionais em Portugal até 2024, ano em que se comemoram os 50 anos do 25 de Abril, estende-se:

– Às Entidades Privadas, promovendo não só o acesso especial aos cidadãos com deficiência, pessoas idosas e jovens, mas também entidades de direito privado de setores imobiliários ou conexos;

– Ao Setor Social, com o fomento à criação de cooperativas habitacionais e das associações de moradores;

– E, finalmente, ao Setor Público, tendo a administração central a incumbência de desenhar a “Política Nacional de Habitação”, que visa: o periódico levantamento e divulgação dos dados, indicadores e quadro estatístico sobre a situação dos alojamentos do País; as respetivas falhas de mercado e carências habitacionais; a inovação tecnológica que satisfaça os requisitos e os critérios habitacionais, como o conforto térmico; a mobilização do património do Estado para fins de arrendamento acessível; a requalificação do parque habitacional público e o seu aumento; a regulação do mercado habitacional e a promoção e garantia da habitação acessível; a articulação com a política pública dos solos; e, por fim, a integração do direito à habitação nas políticas sociais, como o combate à pobreza, a exclusão social, o combate à violência doméstica, a emancipação dos jovens e a erradicação da condição de pessoas em situação de sem abrigo.


E a “Política Nacional de Habitação” deverá seguir as diretrizes delineadas e os programas estratégicos definidos no “Programa Nacional de Habitação” (PNH), que tem uma validade de no máximo seis anos, e que possui: o diagnóstico das carências; a informação sobre o mercado de habitação e onde conste as falhas; o correto levantamento com o estado de conservação e utilização dos recursos habitacionais públicos existentes; a definição estratégica para o País e de quais os objetivos atingir; uma agenda para os programas e medidas equacionadas no próprio documento e o orçamento previsto e as fontes de financiamento equacionadas.


2. 

No entanto, a atuação do Estado no Setor Público, não se esgota na Administração Central, prolonga-se ainda até às Autarquias Locais, que gozam de uma propriedade que a primeira não possui: a proximidade com a população do seu território e o contacto com a realidade (quantas vezes a pobreza e a miséria não se escondem por trás de uma fachada bonita?). Por isso, estas receberam competências e meios financeiros, através do Governo, para garantir o direito à habitação. Destas entidades, os Municípios estão obrigados a identificar as carências e a programar e executar a respetiva política municipal de habitação.

E aqui é que tem residido o grande problema. Não basta o Governo estabelecer um conjunto de instrumentos de atuação, conforme aconteceu em 2017 com a criação da “Nova Geração de Políticas de Habitação” (NGPH) – documento fundamental sob ponto de vista da atuação do poder autárquico, do entendimento da reabilitação do edificado que deve passar de exceção à regra, e da introdução do novo paradigma do “acesso a casa” para o “acesso à habitação” -, é imperioso que as Autarquias Locais façam também o seu trabalho de casa.


Dos vários instrumentos da NGPH, só o Programa 1.º Direito tem tido algum destaque por parte dos Municípios, e o motivo é simples: tem sido uma forma fácil de obtenção de financiamento para colmatar problemas pontuais, mas que não se traduzem em si numa estratégia global para a habitação.

Aliás, não se entende o silêncio por parte de alguns Municípios relativamente a esta matéria e porque é que ainda não aprovaram, se é que começaram, a sua Estratégia Local de Habitação (ELH) – necessária à candidatura do Programa 1.º Direito (e que serve não só para detetar as carências habitacionais no determinado Concelho, mas também os espacializa). E dos que já aprovaram, muitas vezes o Programa 1.º Direito não reflete as intenções previstas.


Temos tido até exemplos de Municípios, devido à urgência em obter este financiamento, ao invés de discutirem nas suas Assembleias Municipais primeiro a ELH e depois o Programa 1.º Direito, têm colocado tudo no mesmo saco, não permitindo a correta participação pública sobre o tema.

E este silêncio deixa de fora uma panóplia de intenções que o Estado possui e que não se traduzem em medidas concretas por parte das autarquias: a mobilização do património devoluto do Estado para fins de arrendamento acessível; o papel do terceiro setor social e cooperativo; a promoção e parceria com a iniciativa privada; a articulação com os instrumentos de gestão territorial; a ponderação sobre a redução ou isenção de impostos e taxas municipais para promover de forma articulada a dinamização do mercado de arrendamento; o incentivo à reabilitação urbana; a colocação de fogos privados no mercado de arrendamento através da promoção de medidas fiscais; a integração dos edifícios e fogos devolutos na política de habitação acessível; a regulamentação do mercado habitacional; e a disponibilidade e aquisição de solos, bolsas de terrenos e alojamentos para habitação acessível e/ou de custos controlados, seja por meio de sistemas perequativos, de sistemas de incentivos ou de um fundo municipal de sustentabilidade ambiental e urbanística, e muito mais – lamentável, reconheça-se.”


 


Publicado no Diário de Aveiro, a 14 de setembro de 2020

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