I O Problema da Habitação: o futuro do Estado Social e da Democracia


A cidade de Lisboa.

1.

Com a aprovação da Lei de Bases da Habitação, no ano passado, consagrou-se um direito constitucional fundamental para que se possa aceder a outros, como a Educação, a Saúde, a Proteção Social e até mesmo o Emprego.

Esta condição deve elevar, por isso, o investimento nesta área, que tem tido tão pouca expressão nas políticas sociais.

Há quatro momentos marcantes das Políticas de Habitação.

  • No Estado Novo acedia-se à habitação, maioritariamente, com recurso ao mercado e apoios pontuais e seletivos ao arrendamento.
  • Com o 25 de Abril, cresce o investimento público e o recurso ao crédito bonificado, para compra de habitação própria, para promoção de rendas moderadas e apoio às cooperativas de habitação.
  • No início em 1986 (com a adesão à CEE) constitui-se o Instituto Nacional de Habitação (INH), que potencia a iniciativa privada e cooperativa, a habitação a custos controlados, o arrendamento e as contas poupança à habitação.
  • Finalmente, em 1993 são aprovados vários programas habitacionais – Programa Especial de Realojamento; Apoio ao Arrendamento Jovem ou Rendas Apoiadas e Habitações Sociais para Venda, p.e.

Isto permite constatar a exclusão da classe média e dos jovens da generalidade das políticas de habitação.

Num tempo em que, só 2% do parque habitacional é público (na UE são 15%) e a maioria está por reabilitar (o conforto e a eficiência energética); havendo 26 mil famílias em situações habitacionais extremas, 12 mil em barracas, e 330 mil que já pediram o adiamento do pagamento da prestação da casa (o que a aumentará em 1,2%), tornam a situação insustentável.

Entre 1991 e 2015, o número de famílias cresceu 22% e o número de habitações 32%. Ou seja, temos agora um problema inverso ao que tínhamos no 25 de Abril: temos agora excesso de alojamentos.

Só que o problema não é o da falta de habitação, mas o de muitas estarem devolutas, degradadas, mal localizadas ou vendidas a preços proibitivos – o problema é a falta de habitação acessível.

Simultaneamente, outro paradigma que inverteu: no 25 de Abril, 46% era habitação arrendada e 54% habitação própria; em 2011, 25% é habitação arrendada e 75% habitação própria.

No entanto, a questão é que destes 75% que vivem em habitação própria, metade está a pagar não uma renda, mas uma prestação ao banco. E isto é muito relevante, porque o maior endividamento das famílias faz-se para garantir o acesso à habitação.

Endividamento esse que, em 30 anos, se multiplicou seis vezes, tendência que atingiu um patamar em que os encargos com os empréstimos e com arrendamento se aproximaram, tendo, nesta última década, compensado mais recorrer a um empréstimo do que arrendar.

2.

A aprovação da Lei de Bases da Habitação foi um momento importante, no entanto estamos hoje perante um outro desafio.

Temos 26 mil famílias com carências habitacionais extremas vai para dois anos e 330 mil que pediram moratórias de pagamento de encargos com a habitação.

Havia a dúvida do que aconteceria depois do dia 1 de outubro, decidiu-se adiar. Ficou a dúvida sobre o que aconteceria depois de abril de 2021, decidiu-se novamente adiar. Existe agora a dúvida sobre o que acontecerá em outubro de 2021…

A atitude tem sido adiar constantemente o problema mitigando os efeitos mais gravosos, o que não chega.

É fundamental que o Estado tenha a capacidade de intervir no mercado de habitação (conforme aponta a OCDE), através das autarquias locais, para aumentar a oferta pública, ajustar os valores das rendas e transformar os alojamentos locais em arrendamento acessível, alugando e subalugando às famílias que mais precisam e que há o dever de estarem identificadas.

É que, mesmo num contexto pandémico, os preços da habitação não vão descer, porque os empréstimos que as pessoas estão a pagar aos bancos tem por base uma avaliação imobiliária.

pari passu, o desemprego vai aumentar e atingir os que tiverem menores qualificações e procurem o seu primeiro emprego, a incapacidade de os jovens se emanciparem e gerarem famílias para manter o futuro do Estado Social vai ser mais difícil, os moradores dos bairros autoconstruídos e de realojamento e os trabalhadores que possuem vínculos contratuais mais frágeis terão menor proteção social.

Saibamos, por isso, olhar para o problema da habitação, não como um problema de mercado, mas para um problema que, caso não seja combatido, irá expor e acentuar desigualdades.

É, em suma, um problema que hipotecará quer o futuro do Estado Social, quer o futuro da Democracia. 


Publicado no Diário de Aveiro, 2 de setembro de 2020


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