Habitação em Portugal: que desafios para 2021-2030?

O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) prevê que 1/6 do pacote financeiro seja canalizado para a área de Habitação. Na sua maioria, para robustecer a intervenção prevista nos dois principais instrumentos financeiros da Nova Geração de Políticas de Habitação (NGPH), isto é, o Programa 1.º  Direito (para aumentar, em sede de levantamento das carências existentes no próprio município através da respetiva Estratégia Local de Habitação, o parque habitacional público, tendo como foco as pessoas com maiores dificuldades económicas) e o Programa Arrendamento Acessível (com cerne  nos jovens e a classe média, historicamente excluída das políticas sociais), e, por fim, para melhorar o conforto térmico das habitações existentes (75% são energeticamente ineficientes).


Para dinamizar a iniciativa privada, várias autarquias têm utilizado como principais premissas: os poucos solos urbanos disponíveis em zonas de intenso mercado especulativo, o entendimento de que afinal “a expansão urbana não é sinónimo de desenvolvimento económico”, a promoção da contenção urbana, a “densificação estratégica”, isto é, densificar com incremento de habitação sobretudo nas zonas que possuam infraestruturas intermodais de transporte coletivo. Pretende-se, com isto, promover, com recurso aos instrumentos de gestão territorial (ex: Plano Diretor Municipal), a articulação entre a mobilidade e a habitação acessível (ex: sistemas perequativos para gerar bolsas de terrenos e de imóveis). Têm merecido também destaque, a implementação de Áreas de Reabilitação Urbana, que atribui benefícios fiscais a quem queira reabilitar.


Para alcançar a “densificação estratégica” (em detrimento da “dispersão urbana”, altamente consumidora do território e da coisa pública), para combater o fenómeno da gentrificação e para atingir um meio de recuperar demograficamente este tipo de cidades captando e fixando jovens, tem-se procurado reduzir os encargos urbanísticos e majorar os índices de construção bruta (ex: majoração de 0,2% quando pelo menos 20% da construção seja alocada ao Arrendamento Acessível a longo prazo ou a habitação social).


Finalmente, é preciso revitalizar as iniciativas público-comuns, para que o setor privado não especulativo seja também um parceiro ativo para resolvermos o problema da habitação.


Para corrigir os erros detetados no passado, as habitações, cuja propriedade deverão ser das próprias cooperativas (o que impede que se use esses fogos como bens transacionáveis), devem ser construídas recorrendo a um Fundo de financiamento (a criar) constituído com apoios do Estado, de investidores e cooperantes – que possuem o direito de uso do apartamento e dos espaços comuns. Parcerias com o IHRU deverão ser promovidas, para mobilizar o património devoluto do Estado, com as Câmaras Municipais, no sentido de promover através de sistemas perequativos que possibilitem a criação de bolsas de terrenos a atribuição de terrenos municipais, da cedência do direito de superfície e da urbanização da envolvente, e com outras pessoas coletivas de direito privado e de utilidade pública (designadamente Misericórdias, IPSS’s, Núcleos de Residentes, Grupos de Autoconstrução, Associações Académicas, etc..).


Os Arquitectos devem assumir o compromisso de participar ativamente no debate público sobre o problema da habitação em Portugal, no sentido de encontrarmos soluções, no entanto, é importante envolver os arquitetos nesse processo, conforme aconteceu recentemente com a integração de um representante da Ordem dos Arquitectos no Conselho Nacional de Habitação. Este órgão será responsável por dar parecer sobre o “Programa Nacional de Habitação” (que está em falta), e que deverá reunir um balanço sobre os três eixos estratégicos aqui apresentados: a intervenção do Estado, a dinamização da iniciativa privada e a revitalização do movimento cooperativo.


Publicado no Jornal da Bairrada, Edição Especial sobre "Habitação", a convite da Ordem dos Arquitectos - Secção Regional Centro, no dia 1 de maio de 2021.

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