A Decadência da Arquitetura



Se existe tema fraturante e que os Arquitetos portugueses devem discutir abertamente, será sem dúvida a da Concorrência Desleal e a Precariedade Laboral da profissão.

Tem sido, sobretudo, a competitividade agressiva, através do Preço praticado pelo Projeto de Arquitetura, a principal forma de concorrência entre escritórios. Os preços baixos apresentados por projeto, motivam não só a realização de menos serviços prestados, mas também na redução do Tempo disponibilizado, resultando, com isso, a desvalorização da qualidade da arquitetura que se faz em Portugal. A preocupação tem sido, numa autêntica lógica de fábricas de projeto, a de procurar fazer edifícios, e não Arquitetura. E é com frontalidade que devemos olhar para esse problema, pois a qualidade da arquitetura que se faz em Portugal estará em queda, enquanto não formos capazes de regular a nossa profissão, e todos nós, arquitetos, nos devemos sentir envergonhados e responsabilizados por isso.

Preço” e “Tempo” acabam por girar numa autêntica “Dança da Morte”, à semelhança da dança entre a “Melancolia” e a “Terra”, do filme “Melancholia”, de Lars Von Trier.

Neste processo de desvalorização da Arquitetura, podemos apresentar três situações de negligência, que têm potenciado o problema: o debate em torno da cidade; o papel da construção na arquitetura e a pormenorização em fase de projeto.


➡️ O primeiro problema, o da negligência em torno da cidade, está relacionado com o peso institucional e político – entendo a “política” como o debate sobre a Pólis, a discussão sobre a Cidade - que qualquer associação profissional de direito público deve ter.

E é caso para questionar, que debate foi gerado, junto dos arquitetos, sobre a Lei de Bases de Habitação? De que forma a Nova Geração de Políticas de Habitação está a ser implementada pelos municípios? E que papel têm tido os arquitetos no desenho das Estratégias Locais de Habitação? Com a queda do turismo estrangeiro, o que esperar do regime dos alojamentos locais? Poderá haver aqui uma oportunidade para transformar em habitação acessível? E o património devoluto do Estado? Está a ser mobilizado para habitação em regime de arrendamento? E relativamente ao Programa de Arrendamento Acessível? Já não existem Arquitetos preocupados pelo estado das Cooperativas de Habitação?

Lembrar que algumas associações têm tido peso político junto das instâncias públicas, como é de exemplo a APEMIP (Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal), cujo Presidente, Luís Lima, ousou em finais do ano passado, perante um auditório cheio em que esteve presente o Ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, dizer que a APEMIP deveria tornar-se uma Ordem Profissional porque tem liderado o dossier da Habitação em Portugal. E é verdade! A Ordem dos Arquitetos tem-se imiscuído deste debate e a APEMIP tem sabido sabiamente ocupar, com todo o mérito, um espaço central nessa discussão.


➡️ O segundo ponto diz respeito à negligência da construção na Arquitetura. Por exemplo, o Estado deveria dar o exemplo relativamente aos concursos públicos, no entanto, decide recorrer ao mais “baratinho”, que muitas vezes não é sinónimo de qualidade, porque limita-se a promover a realização da construção e não a qualidade da mesma, isto é, de fazer arquitetura. Uma construção que é promovida por meios contabilísticos e financeiros, sem qualquer olhar económico, de maior escala. Seria questão a levantar: que tipo de herança as gerações vindouras, sob ponto de vista do património edificado público, irão herdar? E que sentimento de identidade cultural irão adotar?

A mesma forma de pensar tem evadido os escritórios de arquitetura. Propõem-se a praticar um preço tão baixo, limitando os seus serviços, que as obras são deliberadamente negligenciadas. A obra deixa de ser a continuidade do projeto, mas antes algo que lhe é exterior, estranha e completamente secundarizada.


➡️ Por fim, a negligência relativamente à pormenorização em fase de projeto. Se é verdade que o Estado tem sido mau aluno, no âmbito da contratação pública, também é verdade que tem sido bom aluno noutras matérias, como na exigência do projeto de execução.

É fundamental que se garanta a exigência de projetos de execução para certas operações urbanísticas, ou para obras com estimativas orçamentais a partir de certo montante.

E qual tem sido o resultado da desregulação? Lembrando que os arquitetos portugueses ganham cerca de 13.000€/ano, o que corresponde a cerca de um terço da média europeia, que recebem menos 25% que os outros profissionais, em Portugal, com o mesmo nível de habilitações, soma-se ainda a problemática de que a maioria dos arquitetos são jovens, devido a um período (pós-Bolonha) em que se formavam cerca de 1100 arquitetos por ano – um problema que tem vindo atenuar e “cuja a culpa morreu solteira”– saturou o mercado com 2,2 arquitetos por mil habitantes, uma situação que não é só problemática, mas escandalosa.

Desde 2015, tivemos um cenário macroeconómico português bastante positivo, no entanto, a evolução da rentabilidade da atividade foi muito reduzida, situando-se nos 3%, comparativamente, por exemplo, à nossa vizinha Espanha que subiu 27%. Desperdiçando a oportunidade que tivemos nos últimos tempos para corrigir estes problemas, só nos resta tentar faze-lo num futuro pós-pandémico, em que viveremos uma das maiores crises dos últimos cem anos.

Não posso, também, deixar de escrever sobre um tópico que, a meu ver, tem faltado na nossa atividade. Uma boa construção começa sempre com uma boa fundação. E essa boa fundação é a Ética.

E quando falamos da questão de valorização da Arquitetura, estamos a falar de uma dimensão ética, estamos a falar de dignidade humana.



Publicado no Diário de Aveiro a 21 de junho de 2020

Comentários

Mensagens populares